1. Numa entrevista de hoje ao Diário de Notícias, o Professor Reis Novais, um dos "pais intelectuais" do "semipresidencialismo" entre nós, autor de uma importante obra sobre o tema, vem defender as conhecidas posições identificadas com essa teoria, numa clara tentativa de resposta ao meu recente livro sobre os poderes do Presidente da República, em que contesto essa leitura sobre a posição do PR na CRP.
Embora discordando inteiramente dessa posição (que tendo a considerar como um "cadáver adiado"), nada tenho a objetar obviamente a esta renovada defesa da tese semipresidencialista por um dos seus autores mais credenciados - e até me admirava que várias semanas depois da publicação do meu livro, que a contesta de alto a baixo, isso ainda não tivesse ocorrido. Já acho, porém, menos curial, a insinuação de que os críticos da tese semipresidencialista defendem um papel apenas «cerimonial» ou «simbólico» do Presidente da República, quando é evidente que nem eu nem os demais críticos do semipresidencialismo (e não são poucos) não anulamos nenhum dos poderes presidenciais fortes na CRP, desde o poder de veto legislativo à dissolução parlamentar, desde a convocação dos referendos à nomeação de importantes cargos públicos, os quais são obviamente incompatívis com qualquer versão "cerimonial" ou "simbólica" do papel do Presidente.
Caricaturizar grosseiramente as posições adversas para fazer vingar as próprias apenas cancela qualquer possibilidade de debate fecundo sobre os poderes presidenciais.
2. Como tenho escrito desde há muito, a principal diferença entre a leitura semipresidencialista e a leitura do PR como quarto poder moderador num sistema de governo de base parlamentar, como defendo, está em que a primeira vê o PR como "presidente cogovernante", com poder para se ingerir na atividade do Governo, enquanto a leitura alternativa vê o PR como "presidente-garante", titular de um poder próprio, de supervisão da regularidade de funcionamento das instituições e estritamente separado do poder executivo, que compete exclusivamente ao Governo, politicamente responsável somente perante a AR.
A disputa doutrinal e política sobre o lugar do PR no sistema político-constitucional não se resolve com "slogans" fáceis, mas somente com o apuramento de qual dessas leituras alternativas resulta favorecida numa leitura integrada da CRP, que inclua, entre outros, os seguintes pontos: o princípio da separação de poderes; a indicação do PR como "órgão de soberania" autónomo, ao lado dos três órgãos de poder clássicos; a definição constitucional do PR, centrada sobre a representação da República e garantia do regular funcionamento das instituições; a irresponsabilidade política do PR no exercício das suas funções; a atribuição ao Governo do poder de condução da política geral do País, sendo responsável politicamente somente perante a AR.
A opção a favor ou contra o semipresidencialismo não consiste em saber qual é a melhor solução sob o ponto de vista político, mas sim em saber qual a melhor leitura da Constituição, à luz dos instrumentos clássicos de intepretação das leis, em geral, e da Constituição, em particular.














